BENTO COELHO LEAL - O testamento de um morador de Ervália no século XIX

O Legado de Bento na história de Ervália torna-se evidente por dividir parte de seus bens em partes iguais a três igrejas em Ervália: Matriz de São Sebastião, do Rosário e de São Francisco das Chagas do Careço. Mas quem foi este homem que embora não tenha deixado descendentes não teve sua história apagada?




Fragmento do jornal - DIÁRIO DE NOTÍCIAS- 24 de julho de 1888 [Rio de Janeiro]



Certidão de óbito de Bento Coelho Leal- Cartório de registro civil de Ervália

Começaremos essa 
história pelo seu fim. No dia 9 de julho de 1890 as 02:00h, no Turvão, Bento se despedia da vida terrena. Três dias antes ele havia ditado seu último testamento, o qual pedia que fosse aceito revogando quaisquer outros. Em seu registro de óbito foi declarada a idade de 97 anos, fato que o tornava famoso pela longevidade.
Dois anos antes, em julho de 1888, Bento e sua cunhada Benta, eram mencionados no Diário de Notícias do Rio, as idades ali descritas eram de 99 e 102 anos. O informativo trazia algumas informações a respeito de ambos, como o fato de que Bento era eleitor mesmo sendo analfabeto, o que se confirma em seu testamento ao pedir que José Félix assinasse a seu rogo. Bento, segundo o informante, estaria perfeitamente conservado, o que se explica pelo fato de nem ele e sua cunhada terem as verdadeiras idades mencionadas. Em 1888 a idade de Bento seria de 99 anos, e em seu óbito em 1890 de 97, essa diferença motivou a busca pela sua verdadeira idade.
Seus pais eram Francisco Coelho Ferraz e Suzana Maria de Castro, ambos naturais de São Domingos, onde se casaram em 1790. Até o presente momento não foi possível encontrar seu registro de batismo, porém, uma consulta ao inventário de seu pai permitiu que sua verdadeira idade fosse revelada. Em processos de inventário constam os nomes dos herdeiros na parte denominada título de herdeiros, onde são descritos, geralmente, em ordem de idade, iniciando a relação do filho mais velho ao mais novo. No inventário paterno Bento aparece como sétimo filho, como não é uma regra, não se poderia afirmar que a ordem estivesse seguindo o habitual, mas pelo fato de ser solteiro, sua idade foi mencionada, tinha ele 46 anos.
Em qualquer inventário, era necessário que o inventariante prestasse juramento aos Santos Evangelhos, o que fez Suzana, mãe de Bento, colocando sua mão direita e jurando por sua alma no dia 13 de agosto de 1850. Portanto, a idade mencionada em 1850 foi declarada por sua mãe, e por este motivo é considerada sua verdadeira idade. Nascido em 1804, teria em 1888, 84 anos e ao falecer 86, uma diferença de onze anos, o que não era incomum na época, mas se tornou algo curioso por ser notícia no Rio numa época em que a comunicação era difícil.


Trecho do título de herdeiros do inventário de Francisco Coelho Ferraz onde Bento Coelho Leal e sua idade são descritos. [1850] Arquivo do Fórum Artur Bernardes/ Viçosa-MG



Esclarecida a idade, poderíamos mencionar outras curiosidades a respeito de Bento, porém nada seria mais interessante do que ler o que por ele foi ditado, as suas últimas vontades que seguem transcritas de forma fiel ao documento original, mantendo a grafia da época.


[Folha 1]

"Francisco de Paula Galvão escrivão da Provedoria
na Cidade de Viçosa de Santa Rita e seu
termo na forma da lei

Certifico
que em meo poder e cartorio se acha
registrado e archivado o solenne testa-
mento com que falleceu Bento Coelho
Lial o qual é o theor seguinte. J. M. J. (Testam.to)
Em nome da Santissima Trindade Pa-
dre Filho, Espirito Santo, em quem
Bento Coelho Lial, firmemente creio
e em cuja fé protesto viver e morrer;
Este o meo testamento e ultima von-
tade. Declaro que sou natural de São
Domingos, municipio da cidade de
Mariana, filho legitimo de Francis-
co Coelho Ferraz e de Suzana Maria de
Castro, a muitos annos falecidos; não
sou cazado, sempre vivi solteiro; não
tenho filhos que os reconhessa. De-
claro que deixo para minha afi-
lhada Maria Ritta da Encarnação,
filha legitima de Fortunato Antônio
da Silva, os valores que o dito Fortu-
nato Antônio da Silva me é deve-
dor, por uma escriptura de hypothe-
ca e um credito que o mesmo fir-
mou e perduo todo os juros venci-
dos até o dia do meo falecimento. De-
claro que deixo para minha afilha-
da Maria José, filha legitima de An-
tonio Marcal, digo Antonio Maci-
el de Oliveira, todo terreno que tenho..."

[Folha 2]

"... no lugar denominado Brejo, nesta fregue-
zia nas vertentes [em comum com mais interessados] do Rio Jatiboca. Decla-
ro que deixo para meo ex-escravo Ma-
noel Coelho Lial, as quatro juntas de bois
arriados e o carro, com a condição de
não os vende-los e nem dispor por
forma alguma e nem qualquer di-
vida poder toma-los em pagamento,
porque só faço esta doação do uzo e fru-
to, que só passará para seos entiados.
Mando que digão uma missa de cor-
po presente logo depois de minha mor-
te, uma dita no setimo dia e mais
uma dita no trigessimo dia e ma-
is um oitavario de missas em su-
fragio de minha alma. Deixo o res-
tante de todos os meos bens que fica-
rem depois de minha morte, depo-
is de compridas todas as minhas dispo-
sições e legados, para benficiar e com-
por as Igrejas de São Sebastião do Herval,
a do Rozario, ambos neste arraial de
São Sebastião e tambem para a Igreja
de São Francisco das Chagas do Careço, em
partes iguaes, para cada uma dellas.
Nomeio meos testamenteiros, em pri-
meiro lugar a Commendador José Pe-
reirinha de Resende, e em segundo, o
Solicitador David da Costa Cordeiro
e ao que acceitar a testamentaria dei-
xo de premio a quantia de quatrocen-
tos mil reis # 400 000, alem da por-
centagem de vinte por % da liquidação..."

[Folha 3]

"... liquidação de todos os creditos e mais bens
que for necessario a fim de cumprir
as minhas disposições e legados e os be-
neficios alegados e as ditas Igrejas. Hé
este o meo Testamento e disposição e ul-
tima vontade para ter effeito depois
de minha morte e por elle revogo
qualquer outro. Vai o mesmo escrip-
to e assignado a meo rogo por Manoel
Zeferino de Queiroga, depois de me ser
lido e o achar nos conforme a minha
vontade. São Sebastião do Herval, 6 de
julho de 1890. Arrogo de Bento Coe-
lho Lial, por não saber ler e nem es-
crever. Manoel Zeferino de Queiroga.


Foram testemunhas na aprovação do testamento:
Antônio Francisco de Souza Lima Sobrinho
Gabriel Alves de Freitas
Benevides de Souza Lima
Marcianno Bonifácio da Silva
e José Félix de Araújo.

A abertura aconteceu no dia dez de julho de 1890.
Foram testemunhas:

Vicente Luíz de Oliveira
Antônio da Cunha e Castro Júnior
e Francisco de Assis Bello."

Primeira folha da transcrição do testamento de Bento Coelho Leal- [1890] Arquivo do Fórum Artur Bernardes/Viçosa-MG

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